segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Democracia na Internet

Achei muito engraçado e real este texto do Editorial do Jornal Zero Hora, um dos jornais mais conhecidos e lidos aqui no Sul. Publicação de sexta-feira, dia 03 de Julho de 2009.

Um ano e dez meses

Que que o meu filhinho faz, com 1 ano e 10 meses de idade? Vou dizer o que ele faz com 1 ano e 10 meses de idade: ele grita. Não gritava antes, nunca foi de chorar por qualquer me dá cá esse bico. Agora chora. E grita. Sente-se contrariado quando tem de largar o carrinho para entrar no banho, grita. Quer bolacha doce em vez de bife, grita.

Chato isso.

Vou ter que domesticar esse leãozinho. E aí está toda a arte e toda a dor da existência: os outros nunca nos deixam relaxar, embora tudo o que importe no mundo seja os outros. As pessoas, todas as pessoas, mesmo as que têm 1 ano e 10 meses de idade, estão sempre testando os seus limites.

Eis a palavra: limites. Freud ensinou que a criança, ao nascer, não os têm – os limites. Porque o mundo todo é ela. Era antes, no ventre materno. Ela possuía tudo o que queria, quando queria, como queria, em conforto absoluto. No mundo exterior, as coisas mudam. O nenê sente calor, frio, fome e, às vezes, dor. Começa a aprender que existe algo além dele e que cada coisa e cada pessoa ocupa o seu próprio espaço.

Esse processo de aprendizagem sobre o que é o seu espaço e o que pertence ao espaço alheio, a consciência dos limites, enfim, é isso que define o chato. Ou o não chato, naturalmente.

E é aí que entram as mães. As mães são as grandes culpadas pelos chatos que existem no mundo, pois, quando pequeno, o chatinho pratica sua chatice e a mãe dele mia:

– Que bonitiiiiiinho...

Ou seja: ela deu um recado ao futuro chato. É como se dissesse: ser chato é lindo. Mamã gosta de nenês chatos. Chateie os seus amiguinhos e eles gostarão de você.

É o que acaba acontecendo. Aquele seu amigo que grita nos restaurantes, o colega de trabalho que tem o hábito de dar tapas nas cabeças dos outros, a mulher que fala das nove da manhã ao meio-dia, todos esses chatos são chatos por causa de suas respectivas genitoras. As mães incentivam os filhos chatolas a se expressar, e os chatolas, mais do que quaisquer outras pessoas, sentem a necessidade urgente de se expressar.

O usual é o mundo inclemente reprimir tais faltas de limites, só que hoje não mais. Hoje as pessoas podem se expandir sem pejo ou freio, ad infinitum, bem protegidas pela placenta... da internet.

A internet é tragicamente democrática. A internet é o espaço sideral, sem fim nem começo. Tudo cabe na internet, a internet nada rejeita.

Ali prolifera-se o chato.

Ninguém o reprime. Ele fala o que quer, dá a sua opinião, multiplica-se como um vírus. Seus tentáculos pegajosos cruzam oceanos, grudam nas costas dos inocentes, escorrem pelas paredes das casas, obstruem a luz solar, sufocam as respirações dos incautos. Impunemente. Isso o principal: impunemente. Tenho medo de um mundo parido por essa nova mãe, essa mãe de indulgências, sem fios nem limites, chamada internet."

De David Coimbra.

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